A Single Man – Um Homem Singular
Sexta-feira, 30 de Novembro de 1962. A data de repente entra e, seguidamente, desvanece-se na tela por onde se visualiza um homem nu em águas gélidas e cinzentas. Águas passadas, presumimos nós. De seguida, o som de um carro e de um possível acidente de viação transcende a tela e perfura os nossos ouvidos enquanto aquele pobre homem luta naquela mesma água. Luta contra o seu passado(?). A história evolui. O homem não luta contra o passado. O homem é George (Colin Firth), um professor homossexual que perde o seu companheiro num acidente de viação. O homem não luta contra as águas passadas. O homem luta contra o presente, na tentativa de se afogar no seu passado. Agora, ele acorda.”I am and now” ele diz. Fora do seu temido sonho, George inicia o dia que será o seu último. Afinal, a morte é o futuro ele diz. Agora, fora da cama, demora algum tempo para se pôr no papel de George.
It takes time in the morning for me to become George, time to adjust to what is expected of George and how he is to behave. By the time I have dressed and put the final layer of polish on the now slightly stiff but quite perfect George I know fully what part I'm suppose to play.
George está arranjado. Em frente ao espelho profere as palavras “Apenas ultrapassa o raio do dia”. E assim começa mais um monótono dia de George a par da pistola que carrega na sua mala. A cara dita cansaço. A mente precisa felicidade. Felicidade essa que só obterá quando estiver com o seu falecido parceiro, Jim (Matthew Goode). E assim começa um dia diferente, o último dia da sua vida, o melhor dia da sua vida.
A Single Man é um filme, como um todo, dotado de uma espectacularidade, mas é na desconstrução de toda a fita que esta é deslumbrada com o seu verdadeiro apreço. É uma das surpresas mais aprazíveis a que tive oportunidade de ver. A razão – inúmeras.
O filme num constante desenrolar cinzento, numa constante contradição aos paradigmas cinematográficos, o presente é cinzento e o passado é que se revela esperançoso e colorido.
No meio de arrebatadores diálogos, delineia-se nas palavras um vibrante fluxo de sentimentos - medo, homofobia, amor, etc.
Este é o primeiro trabalho como realizador do estilista Tom Ford, aliás, ele realiza, produz e escreve Um Homem Singular e torna esta mesma obra num projecto singular. Dotado de um carisma inigualável. Filmado com um rigor estético sem precedentes, uma beleza tanto em sonoplastia como no próprio ecrã (guarda-roupa, cenários, etc.) e um deslumbrante manejamento de um potencial leque de actores com óbvio destaque para Colin Firth que consegue aqui um papel de uma vida onde muitos lutariam para conseguir ter no seu currículo.
E Um Homem Singular é, todo ele, um projecto singular e arrojado, mas é na sua desconstrução que mais beneficia. Um fluxo constante de um trabalho esforçado e o resultado está à mostra de todos. Um filme que em 90 minutos mostra um dia de uma pessoa. E de que maneira!
27 comentários:
Sim, é um grande filme e a tua classificação comprova. Estava expectante em relação à tua crítica, pois apesar de ser um filme universalmente irrepreensível, a sua premissa narrativa é muito súbtil e há quem o considere ténue e morno. Mas muito bem, o texto reflecte muito bem algumas passagens (gostei particularmente deste parágrafo: "O filme num constante desenrolar cinzento, numa constante contradição aos paradigmas cinematográficos, o presente é cinzento e o passado é que se revela esperançoso e colorido").
Só uma correção, a Homossexualidade não é um sentimento, é uma orientação sexual.
Abraço
Marcelo, muito obrigado.
Eu não acho, de todo, um filme ténue e morno mas um filme sublime que retrata muito bem a época e o sentimento de homofobia que, por acaso, escrevi homossexualidade mas já vou corrigir.
Abraço
Ainda não vi o filme. Talvez agora com o DVD. Boas recomendações não me faltam ;D
Roberto, tenho a certeza que vais adorar!
Abraço
Parabéns pela crítica, muito bem escrita. Pessoalmente não acho importante referir que é uma história de amor homossexual. É uma história de amor. Ponto. Belíssima, clássica, sublime... Não consigo ter mais palavras para o descrever (as que consegui estão na crítica do blogue), mas é um filme que me toca imenso a nível pessoal e que me traz muitas recordações. É um filme de vida.
Também foi o último filme sobre o qual escrevi:
http://cameloleaoecrianca.blogspot.com/2010/05/single-man.html
Acho importante sublinhar aquilo que disseste sobre a prestação de Colin Firth, porque não fiz mais que o leve referência no meu blog.
"Colin Firth que consegue aqui um papel de uma vida onde muitos lutariam para conseguir ter no seu currículo.": exactamente. É daqueles papéis que, no fim da sua carreira, são usados para mostrar o actor que foi. Para já, é a sua maior conquista.
Sem dúvida um grande filme!!! Não é apenas irrepreensível a nível técnico (o que não surpreende minimamente), como um argumento muito bem explorado... O filme tem inúmeros momentos belíssimos mas o "monólogo" de George momentos após o despertar é SUBLIME!
Colin Firth tem uma interpretação fabulosa, com especial destaque para a cena do telefonema... Contagiante! Todo o elenco foi extraordinariamente bem escolhido...
Concordo com o Tiago, esta é, acima de tudo, uma história de amor. A homossexualidade "apenas" serve para dar mais grandiosidade a esse amor visto que naquela época esta era completamente reprimida...
A crítica está muito boa... Mas este é daqueles filmes em que por muitas palavras que se escrevam estas nunca conseguirão abranger o impacto (especialmente em termos de sentidos) que a sua visualização provoca...
Uma das melhores obras de 2009; pessoalmente coloco-a em 2º lugar, apenas superada pelo magistral "Mary and Max"...
Tiago, eu referi a homofobia devido ao medo que eles tinham em expressar-se ou então quando o referiram como homossexual no banco, etc.
Muito obrigado, e o filme é mesmo inspirador pois eu costumo escrever algum tempo depois de ver o filme de forma a digerir mas esta crítica saiu logo a seguir ao filme. É mesmo um filme de vida.
Back Room, vai ser referenciada no futuro!
Filipe, é, na verdade, um filme inefável!
Abraços
Não é irreprensível a nível técnico? Oi? Estamos a falar do mesmo filme? A fotografia Single Man além de ser absolutamente original (nos jogos de sombras, cores e dimensões), assina o classicismo de Ford como nenhum outro realizador o fez, ainda por cima para uma primeira longa-metragem. Quanto à homofobia, também não vejo muito incutida, dado que a sexualidade de ambos é muito natural e fluída, mesmo a nível exterior.
Abraço
Marcelo, tendo a concordar contigo. Tudo a nível técnico é dotado de um rigor estético fabuloso e ninguém diria que este é o primeiro trabalho do realizador visto o talento e esforço que esta obra emana...
Abraço
Além de tudo que é objectivo e foi aqui dito, houve algo, para mim ainda indefinível, que me tocou profundamente.
O Tom Ford foi uma surpresa. O Colin Firth, uma descoberta. Magníficos trabalhos!
O que eu pretendia dizer era que: "Não é apenas irrepreensível a nível técnico, como tem ainda um argumento muito bem explorado..."
Peço desculpa se não fiquei bem claro no comentário anterior...
Caro Bruno, lendo sua análise como uma conversa entre amigos, me peguei te indagando: "e ele consegue uma nova razão para viver? o filme termina com alguma esperança?"
Não me respondas, por favor! ;-) Por via das dúvidas, quando alugar "A Single Man", levo junto um filme mais leve para arrematar. Já vi que vou rasgar o coração em solidariedade a George!
Parabéns pela critica, muito bem construída.
Ainda não vi o filme, mas fiquei com vontade de ver.
Abraço.
http://vidadosmeusfilmes.blogspot.com/
Sim, Bruno.
Parece consensual que estamos perante uma obra-prima. Sabemos bem que estas, só o são reconhecidas como tal tendo em vista um distanciamento temporal. Daqui a uns anos será um precioso objecto de estudo formal e narrativo.
É um filme como nunca houve.
Ana Isabel, o filme é inexplicável!
Tom Ford foi mesmo uma surpresa, quanto a Firth, foi um actor que finalmente mostrou o que valia.
Filipe, bem me parecia! O filme é muito bom tecnicamente!
Stella, eu não poderia dizer-te, seria spoiler mas digo-te que o final é, no mínimo, caricato e surpreendente.
Bruno, obrigado e força!
Flávio, o filme como nunca houve e, com certeza, uma referência no futuro mas o distanciamento temporal...Esta obra no seu final é uma obra-prima, seja os poucos anos que passam...
Abraços
Também defendo que é um excelente filme. Embora não seja tão entusiasta como tu, considero-o até ao momento o melhor filme do ano.
Abraço
Fifeco, é o melhor do ano!
Abraço
Não me puxa muito vê-lo para já... quando der no TVCine gravo na box e vejo-o. Fica para outra fase este.
ArmPauloFerreira, penso que irás gostar quando o vires.
Abraço
Gostei mesmo muito! Very sublime :-) Excelente interpretação. Até já´o vejo com outros olhos.
Dora, ao início não gostaste?
O filme é espantosamente fabuloso.
Abraço
Não disse isso. Onde viste isso, Bruno?
Eu gostei tanto do filme!
Dora, eu sei que gostas do filme mas como disseste que já o vês com outros olhos, tinha a sensação que ao início tinhas desgostado mas agora adoras.
Abraço
Ao Colin! Sempre o achei muito pão-sem-sal. Gostei desta vertente.
Neste filme deu para confirmar as minhas suspeitas! Colin Firth era um actor que tinha talento e só faltava a vez para brilhar.
Abraço
Acabo de descobrir e admirar essa crítica. Revi o filme por esses dias e decidi usá-lo como objeto de análise (ainda inacabada).
Como já foi dito A Single Man é uma obra riquíssima que merece ser lembrada em diversos aspectos. Um filme que possui o tempo não apenas como conteúdo mas também como parâmetro para a forma.
Saudações brasileiras!
Enviar um comentário